quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Talvez deva limitar-me a escrever. A morrer lentamente à medida que a mina da lapiseira se vai gastando, metamorfose decadente: são só palavras. É só aquilo que eu penso que sinto, a minha alma rebatida sobre o plano negro da gramática e tudo se confunde. Talvez eu tenha parado no tempo e não consiga distinguir coisa alguma desta vida que me pisa e esmaga – ter-me-ei eu posto debaixo dos seus pés? Sinto-me sozinha. Por pessoas que me rodeiem, por pessoas que se digam comigo e que me amem… onde estão elas? Onde estão, no rebentar das fechaduras que cerram os baús em que escondo a loucura? Eu quero calá-la… Enrolo-me, abraço os meus joelhos e baloiço no sentido da maré que se afasta. Tento escapar ao desespero com a instabilidade dos movimentos, dos gestos – ou não será já este o sinal da sua presença no mais fundo de mim? Exteriorizo a minha verdadeira dimensão – celular – e, invisível, a dor envolve-me com o seu manto de fogo e queima-me a alma, cujos gritos sufoco, parto aos bocados e desfaço em murmúrios. Abandono o corpo, tento cessar este contrato que não foi assinado por mim – rasgo-o. Mas prende-me a respiração, prende-me o tacto. O desejo do corpo que não me queres vender – mas eu compro-o, vou esfolar-me para to retirar. Não és pior do que eu, que sugo e mato. Dessa morte que me ensinaste a soletrar e eu canto-a, em silêncio, todos os dias. Fizeste-me existir e sou eu o sofisma, nesta linha em que me empurras e, a tropeçar, esbarro nos outros. Mas libertar o meu corpo a favor da eternidade será a minha vingança contra ti: tu, vida, que me mataste e matas continuamente ao fazer-me renascer na boca dos outros; e ao neles penetrares, através de mim, tua cúmplice, oh criminosa, o seu assassinato.

2 comentários:

  1. Os meus sinceros parabéns pelo teu blog. And by the way, belíssima apropriação escrita deste teu estado de ser. Continua a escrever... A palavra escrita tem, de entre muitos outros, o dom de aligeirar os pesos da alma...

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  2. assim percebe-se a tua foto...

    by the way, o que a Eris diz, encontra nolivro do desassossego uma tentativa de explicação. Eu também o dizia (se bem que de outra forma) e depois descobri que aquele senhor que é a sentença previamente consumada de todo aquele que o sucede, já o tinha formulado. Refiro-o como quem procura recordar que ele está numa estante à nossa espera

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